domingo, 11 de novembro de 2007

Sobre como eu me dou.

Ela ganhou um par de patins, tinha 7 anos e queria amar de verdade quando fosse mais velha. Morava na cidade grande, não havia lugar para ela andar de patins. Ela também sabia que quando fosse mais tarde não haveria lugar para ela amar. A cidade é grande, cinza, e as pessoas... passam. As pessoas passariam pelo amor dela.
Ela saiu para andar com aqueles patins pela primeira vez. Foi quando, pela primeira vez também, a cidade não estava cinza. Ela foi para um parque com o avô branquelo, um daqueles sujeitos que são das ciências exatas e que gostam de pintar, e de estudar sobre vinhos. Era um daqueles seres que uniam os dois hemisférios. Um senhor engenheiro que não se afastava das humanidades, dos sentimentos, das poéticas, e que por isso, não deixava de ouvir os sonhos de uma criança.
Sabe, ela não gostou. Tão desajeitada, tão gordinha, usava óculos e gostava quando papai botava música de adulto no som do carro. Ela também fazia poesias de cinco linhas e de muitos ecos. Sabe, andar de patins quando se é alguém medrosa é terrível. Você se rala, chora, cai, se decepciona, acha que não nasceu para a coisa. E com tantos outros se saindo bem ao redor dela... ela desistiu. Vovô levou ela para tomar sorvete cor-de-rosa.
Ela nunca mais andou de patins. Aquilo não era para ela. Ela não conseguia se dedicar a algo que a fazia perder o controle dos pés no chão. Ela gosta do tempo como ele é. Mentira. Aquilo tudo era medo de cair e de se ralar de novo. Não queria ser a gordinha que caiu de patins no parque, tão medrosa. Fora que os patins eram a moda do momento. Ela não foi feita para amores de momento. Ela só queria algo para amar sempre, em qualquer momento. Ela mandou um recado pro mar dentro de uma garrafa, ela queria salvar esse amor que ela temia não reconhecer em mais ninguém. Ela contou isso pro seu avô uns dois anos mais tarde, enquanto caminhava com ele na praia. Contou que sabia o segredo, como fazer um mundo melhor. Mas não contou que a solução era fazer viver o amor que ela temia não haver mais. Vovô ficou curioso, mas ela sabia que era só uma atuação dele, fingiu que estava interessado no que ela estava dizendo, afinal, era uma criança inspirada em contar uma grande ideia. Mas ela não se importou, ela tinha certeza que alguém ia ler o recado da garrafa.
Anos mais tarde, ela continuava amando, mas temendo não haver espaço para ela na cidade grande, onde as pessoas passam. Ela ainda espera pela resposta da garrafa.