Acordo às cinco e meia da manhã, quando ainda o céu é escuro e frio, e as ruas, assombradas das histórias de outras madrugadas.
A única coisa que motiva o meu corpo confuso com a gravidade fora da cama é a sua imagem, de barba por fazer, dorminhoco, preguicinha, cheio de dengo e voz quieta. Saber que poderei, um pouco mais tarde dali, fazer carinho nessa barba lisinha e ficar rindo (dentro de mim) dessa preguicinha. Daqui a pouquinho, falta um tantinho de minutos, mentira, faltam umas quatro horas, entre quilômetros de ruas e infindáveis aulas em que as pessoas fingem ensinar e outras fingem aprender.
Ouço música no carro. Tem uma que lembra você. Da nossa primeira noite.
Já falta menos tempo. Já faz três dias desde o último cochilo com preguicinha.
Nem pinto as unhas sabe, o que facilita o ato de roê-las. Eu devia pintar de vermelho.
Você não vem,e não liga para dizer, mesmo que baixinho e quietinho, que você não viria. Volto pelas mesmas ruas, com as mesmas músicas, com menos unhas e menos esperança. Isso que chamam de desapego pode até soar moderno para alguns, mas o acumular da falta - quando uma caixa é preenchida com tanta ausência - isso de se desapegar e de não procurar faz buraco no peito, faz a gente duvidar de um amor por vir e do meu amor que teima em se esconder e em se justificar nessa caixa vazia. Cada vez que tento me justificar para mim mesma, menos unhas. Cada vez que me faz perder vez. Perder tempo. Tudo é uma questão de preguicinha. Preguicinha de me deixar por perto. Mas aí você liga. Surpreendentemente, uma ligação quando tudo parece perdido - quando se está na tpm e sem unhas, tudo passa a ter uma tendência maior a se perder - perdido como os pedaços de unha que tirei e joguei no ar numa espécie de cuspe-sopro-que-não-chega-a-ser-cuspe. Sossego. Sua voz é quietinha, me acalma. Acalma o fato de sua voz ter me procurado. Voz. Pausas. Um Oi tudo bem?. Tudo. Pausa. Olho a unha deformada. O que deforma isso tudo é a ausência.