domingo, 25 de novembro de 2007

qual o seu sonho?

Assim que eu passar pela tua porta novamente, quando você for me abraçar de novo, daquele jeito que você abraça quando eu não te vejo há quase uma semana, quando você for perceber o meu olhar frente a sua carinha de olhinhos pra cima, ou frente ao seu sorriso mais espontâneo, ou ao seu discurso do-contra, quando você receber no ouvido de manhã enquanto dorme, o meu sussurro que diz que eu estou indo embora sem querer ir, quando eu tiver a próxima hesitação, na próxima vez que eu disser que eu estou sempre sozinha e que meus sonhos estão perdidos, na próxima vez que eu me calar quando algo me chateou, assim que eu terminar de falar um monte de coisas ao mesmo tempo na mais animada empolgação, assim que eu for acordada por você de madrugada de novo, ou assim que você me acordar no carro depois de eu ter dormido no caminho, logo depois de me fazer rir, de fazer cócegas, ou depois de fazer aquele barulhinho na minha barriga, logo após tomar banho comigo, ou depois de apertar minha perna e dizer "pernona", ao mesmo tempo em que der a mão para mim enquanto dirige, ou ao mesmo tempo em que me olha e eu também olho pra você que olha, na próxima vez que você me abraçar de noite fazendo uma concha, na próxima vez que você perceber que eu estou para responder, pergunta de novo pra mim, qual é o meu sonho.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Brigada com os sentidos do mundo




Conclui qual é o sentido disso,
De contrapor presença e ausência.

Eu te amo em cores matissianas.
É tão colorido, tão cruel.

Pois amo buscando respostas
Tão ocidental...

Isso não deveria ser assim
Esse contexto é tão nosso,
tão do nosso jeito,
tão abstrato quanto o nosso olhar terno direcionado.

domingo, 18 de novembro de 2007

Cagando pro tempo

Palavras não ditas e rosas não dadas
Farei uma música pra você, sobre isso que não foi
Farei música da sombra da sobra que o vento soprou
Foi-se todo o Todo que nem sequer se deu em origem,
Não se fez em presente, só se fez no Se...

Se-paração da se-mente pripordial
Que plantou nosso ser
Aqui e ali
Em várias consciências
E fez brotar vários de nós, sempre divididos
Sempre outros
Sempre outros de nós
Sempre outros de nós em outros

Assim as consciências se reproduzem
Dessa beleza roubada dessa sombra levada
Resta todo esse resto
Tudo o que esse tempo gerou
Tudo que ele comeu e cagou

Tudo que ele comeu e cagou...

Somos nós
Comidos pelo tempo e resultado do tempo
Nós somos o próprio tempo
Que vai com o vento


[G.T. cooperando e coexistindo comigo]

Arte particular

A cada dia que passa
Mais eu enxergo as tuas cores
Aquelas que ainda não haviam aparecido
Aquelas que se recoloriram
E aquelas que se declaram para mim
De tão coloridas.

Tá tudo ficando tão lindo
A cada dia uma pincelada e outra
A entrar na nossa arte
Arte de conhecer o outro
Nossa arte particular

Arte tímida essa ainda
Não muito expressionista
Procurando ser realista
Tendo todo o cuidado parnasiano
Pra quê?
Só porque teme o fauvismo tão ousado do amor
Esse amor
Tão pós-moderno pra mim

Mas gosto desse gosto
Gosto de livro novo, cheirinho gostoso!
Cansei do romantismo
Não devia ter tentado tanto esse
Quando na verdade eu não passava
De uma naturalista ordinária

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Roendo unhas

Acordo às cinco e meia da manhã, quando ainda o céu é escuro e frio, e as ruas, assombradas das histórias de outras madrugadas.
A única coisa que motiva o meu corpo confuso com a gravidade fora da cama é a sua imagem, de barba por fazer, dorminhoco, preguicinha, cheio de dengo e voz quieta. Saber que poderei, um pouco mais tarde dali, fazer carinho nessa barba lisinha e ficar rindo (dentro de mim) dessa preguicinha. Daqui a pouquinho, falta um tantinho de minutos, mentira, faltam umas quatro horas, entre quilômetros de ruas e infindáveis aulas em que as pessoas fingem ensinar e outras fingem aprender.
Ouço música no carro. Tem uma que lembra você. Da nossa primeira noite.
Já falta menos tempo. Já faz três dias desde o último cochilo com preguicinha.
Nem pinto as unhas sabe, o que facilita o ato de roê-las. Eu devia pintar de vermelho.
Você não vem,e não liga para dizer, mesmo que baixinho e quietinho, que você não viria. Volto pelas mesmas ruas, com as mesmas músicas, com menos unhas e menos esperança. Isso que chamam de desapego pode até soar moderno para alguns, mas o acumular da falta - quando uma caixa é preenchida com tanta ausência - isso de se desapegar e de não procurar faz buraco no peito, faz a gente duvidar de um amor por vir e do meu amor que teima em se esconder e em se justificar nessa caixa vazia. Cada vez que tento me justificar para mim mesma, menos unhas. Cada vez que me faz perder vez. Perder tempo. Tudo é uma questão de preguicinha. Preguicinha de me deixar por perto. Mas aí você liga. Surpreendentemente, uma ligação quando tudo parece perdido - quando se está na tpm e sem unhas, tudo passa a ter uma tendência maior a se perder - perdido como os pedaços de unha que tirei e joguei no ar numa espécie de cuspe-sopro-que-não-chega-a-ser-cuspe. Sossego. Sua voz é quietinha, me acalma. Acalma o fato de sua voz ter me procurado. Voz. Pausas. Um Oi tudo bem?. Tudo. Pausa. Olho a unha deformada. O que deforma isso tudo é a ausência.

Fábula da amizade livre

Ele, um doce cavalheiro de porte discreto.
Ela, uma dama fugitiva.
Ela foge do castelo para o bosque,
Ele empresta o seu cavalo.
Juntos compartilham os sons e os verdes
E se sensibilizam com a amizade de dois passarinhos
Tão leves, tão livres,
Que quando estão a voar
Brincam de cortar o caminho que o outro tenta desenhar no céu.
Logo o cavalheiro e a dama sincronizam suas risadas:
"Gosto muito de voar com você", disse a dama
E não foi preciso dizer mais nada.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Uma cor

Sei que você não está aí de bobeira. Tomemos uma cerveja? Uma só cerveja, só uma, daí prometo te levar à Paris. Clichês sempre funcionam, mesmo que patéticos, fisgam teu meio-sorriso desesperado por amor e vestido de contradições. Fisguei com mais um poema do Manoel de Barros e mais outro, e mais uns conceitos e algumas abstrações. Toquemos um pouco de música! Não se sinta mal, ele não está aqui. Você está perdida, sei que está... vou aproveitar e te orientar. Eu sou a tua placa e o destino dela. Diminua a velocidade, prestenção! Você em si já é um farol, me ilumina aqui... foque-me. Não vai embora cedo, ainda podemos dançar a noite toda. Você tenta me levar, se espalha em caos pelo espaço entre nós até absorver essa confusão de suores e me tirar do mundo, devorando. Você é a imagem menos perfeita da perfeição. Linda. Esconde isso, mostra isso. Marca o passo? nada. Inventa até eu me irritar com a sua imposição. Essa irritação é deliciosa, faz eu querer virar o jogo, fez de mim violento [impulsos]. O pulsar pulsa até... eu te jogar. Você cai pra trás, estica como uma bailarina, alonga, e volta, devagar...parece mágica. Você estava na palma da minha mão, santinha, pequenina. Mas eu queria cuidar dela. Quando menos percebi você era uma irmãzinha, uma protegida, um imperativo fraterno e belo, eu devia dar-lhe afagos. Passar a mão na cabeça, dar um beijo na testa, te desejar boa noite, cobrir-te. Faço isso, desisto daquele amor possível, daquela paixão avassaladora que compromete os corações desesperados e perdidos. Troco tudo por essa calmaria que se permite, se permite de vez em quando um gole e outro, ou uma dose bem densa, um desvio. Desvios diretos. No pensamento. Desvios na fala, desvios até ela. Dela até mim. A gente fica assim, desviando. Rios de meandro. Só às vezes. Só um pouquinho. Só um pouquinho dessa pequenina.

domingo, 11 de novembro de 2007

Sobre como eu me dou.

Ela ganhou um par de patins, tinha 7 anos e queria amar de verdade quando fosse mais velha. Morava na cidade grande, não havia lugar para ela andar de patins. Ela também sabia que quando fosse mais tarde não haveria lugar para ela amar. A cidade é grande, cinza, e as pessoas... passam. As pessoas passariam pelo amor dela.
Ela saiu para andar com aqueles patins pela primeira vez. Foi quando, pela primeira vez também, a cidade não estava cinza. Ela foi para um parque com o avô branquelo, um daqueles sujeitos que são das ciências exatas e que gostam de pintar, e de estudar sobre vinhos. Era um daqueles seres que uniam os dois hemisférios. Um senhor engenheiro que não se afastava das humanidades, dos sentimentos, das poéticas, e que por isso, não deixava de ouvir os sonhos de uma criança.
Sabe, ela não gostou. Tão desajeitada, tão gordinha, usava óculos e gostava quando papai botava música de adulto no som do carro. Ela também fazia poesias de cinco linhas e de muitos ecos. Sabe, andar de patins quando se é alguém medrosa é terrível. Você se rala, chora, cai, se decepciona, acha que não nasceu para a coisa. E com tantos outros se saindo bem ao redor dela... ela desistiu. Vovô levou ela para tomar sorvete cor-de-rosa.
Ela nunca mais andou de patins. Aquilo não era para ela. Ela não conseguia se dedicar a algo que a fazia perder o controle dos pés no chão. Ela gosta do tempo como ele é. Mentira. Aquilo tudo era medo de cair e de se ralar de novo. Não queria ser a gordinha que caiu de patins no parque, tão medrosa. Fora que os patins eram a moda do momento. Ela não foi feita para amores de momento. Ela só queria algo para amar sempre, em qualquer momento. Ela mandou um recado pro mar dentro de uma garrafa, ela queria salvar esse amor que ela temia não reconhecer em mais ninguém. Ela contou isso pro seu avô uns dois anos mais tarde, enquanto caminhava com ele na praia. Contou que sabia o segredo, como fazer um mundo melhor. Mas não contou que a solução era fazer viver o amor que ela temia não haver mais. Vovô ficou curioso, mas ela sabia que era só uma atuação dele, fingiu que estava interessado no que ela estava dizendo, afinal, era uma criança inspirada em contar uma grande ideia. Mas ela não se importou, ela tinha certeza que alguém ia ler o recado da garrafa.
Anos mais tarde, ela continuava amando, mas temendo não haver espaço para ela na cidade grande, onde as pessoas passam. Ela ainda espera pela resposta da garrafa.

Pagando pra ser.

Cada um paga o preço de ser o que é.
E eu prefiro parcelado, pra ir curtindo aos pouquinhos tudo o que posso ser.